Garantir o direito à educação é um compromisso social que ultrapassa os muros das escolas tradicionais e alcança aqueles que enfrentam desafios em seu percurso de vida. Na Comunidade de Atendimento Socioeducativo de Internação Provisória (Caseip), unidade gerenciada pelo Governo de Sergipe, por meio da Fundação Renascer, esse direito se concretiza com o ensino oferecido dentro da própria unidade, em parceria com a Secretaria de Estado da Educação (Seed) e o Centro de Excelência Cel. Francisco Souza Porto. A iniciativa, além de proporcionar aprendizado, representa um caminho real de transformação para os socioeducandos.
A escola dentro da Caseip atende 12 adolescentes, que participam das aulas nos turnos matutino e vespertino, no espaço conhecido como ‘Núcleo da Escola’, com carga horária de 20 horas semanais. O ambiente é estruturado com salas equipadas, biblioteca e materiais pedagógicos selecionados para atender às necessidades dos estudantes.
Com oportunidade de aprender o que teve dificuldade em outros momentos da vida, um dos socioeducandos, de 16 anos, avalia que poder ter acesso às aulas é algo transformador. “Antes de chegar à instituição frequentei a escola, mas passei três anos sem estudar. Quando cheguei, eu não sabia mais ler e nem escrever direito. Conforme os dias foram passando e fui tendo acesso às aulas, peguei mais segurança. Agora, já estou melhor nas contas, já consigo escrever tudo e leio bem. Sinto mais vontade de estudar, de escrever mais, de prestar mais atenção nas aulas. Voltou a alegria de aprender, como quando eu era criança”, revela.
A oportunidade fez com que outro socioeducando de 16 anos mudasse de perspectiva. Para ele, as aulas ajudam a pensar na vida fora da unidade. “Estou tendo a oportunidade que não pude ter lá fora, como cursos gratuítos que, às vezes, são caros, e, ainda, com professores excelentes. Foi uma surpresa saber que aqui tinha escola e, assim, pude aprender coisas que não pude lá fora. Não precisei parar de estudar. De alguma forma, isso faz a gente pensar em coisas melhores, quando sair”, conta.
Para a coordenadora pedagógica do Centro de Excelência Cel. Francisco Souza Porto, Viviane Dantas, o ensino dentro da Caseip vai além da transmissão de conhecimento. “Desde 2021, estamos atendendo a internação provisória porque, antes, eles não estudavam. Isso representa um progresso significativo para a escolarização em Sergipe, sendo um modelo pioneiro nacionalmente. Nosso trabalho busca não apenas garantir a educação formal, mas também oferecer conteúdos que dialoguem com a realidade desses adolescentes, como temas contemporâneos, educação financeira e saúde”, explica.
A inclusão dos internos na escola segue critérios específicos, levando em consideração aspectos como interesse, nível de escolaridade e comportamento. Segundo Viviane, as aulas são planejadas para atender às necessidades dos estudantes, respeitando a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e oferecendo uma abordagem humanizada. Eles passam por avaliação e nivelamento, atendendo às necessidades individuais de cada interno.
De acordo com a coordenadora, os professores estão preparados para lidar com a rotatividade dos alunos, adaptando os conteúdos às necessidades específicas de cada um. Viviane também ressaltou que a escola trabalha a leitura e a escrita de forma intensificada, buscando reinserir os adolescentes na sociedade com melhores condições educacionais.
“O trabalho na Caseip não se limita ao ensino tradicional. Precisamos lidar com a realidade desses adolescentes e garantir que eles saiam daqui letrados e mais preparados para a sociedade. A avaliação do desempenho é contínua e adaptável ao tempo que o aluno passa na unidade”, complementa.
Ferramenta de ressocialização
De acordo com o diretor da Caseip, Daniel Rodrigues de Oliveira, o impacto da educação reflete diretamente no comportamento dos adolescentes. Para isso, a parceria entre a Fundação Renascer e a Seed tem sido fundamental para resgatar adolescentes que estavam fora da escola, garantindo-lhes matrícula e acesso imediato às aulas.
Ele enfatiza que a Fundação Renascer se esforça para oferecer suporte pedagógico contínuo e um ambiente seguro, garantindo a separação dos adolescentes conforme o tipo de ato infracional e outras características individuais, visando evitar conflitos e proporcionar um ambiente de aprendizado mais harmonioso.
“Desde 2021, mais de 413 alunos já passaram pela escola da unidade. Muitos chegam sem saber ler e escrever, mas, em cerca de 45 dias (tempo máximo que os adolescentes ficam na unidade), já conseguem construir frases e compreender textos básicos. A escola dentro da Caseip resgata esses jovens da evasão escolar e os reinsere no processo educacional, dando a eles uma nova perspectiva de futuro”, ressalta.
Compromisso com a transformação
A Fundação Renascer, responsável pela gestão da Caseip, tem como missão garantir medidas socioeducativas que promovam a proteção e a reinserção social dos adolescentes.
O diretor do Atendimento Socioeducativo da fundação, Kleber Pinto, destaca que a educação sempre foi prioridade. “Desde 2023, quando essa gestão assumiu, o tema principal tem sido a educação. Temos fechado parcerias com instituições como Seduc, Senac, Sebrae e Fundat, para que o adolescente entre na Fundação Renascer e saia transformado, não só na educação formal, mas também na profissional e social. A ideia é oferecer um novo olhar, uma nova esperança para esses jovens”, afirma.
Entretanto, o processo enfrenta desafios. “A maioria dos adolescentes chega com uma defasagem educacional muito grande, praticamente semialfabetizados. Nosso papel é instruí-los e garantir que saiam sabendo ler e escrever. Além disso, buscamos inserir os internos em cursos profissionalizantes, como informática e outras áreas técnicas, preparando-os para o mercado de trabalho”, completa Kleber.
A rotina da unidade é estruturada para garantir que os socioeducandos tenham acesso a todos os serviços essenciais. “Eles têm acompanhamento pedagógico, psicológico, jurídico e de saúde. Além disso, a segurança da unidade é planejada para evitar conflitos e garantir um ambiente propício à ressocialização”, explica Daniel Rodrigues.
Novas oportunidades
Ao longo dos anos, diversos adolescentes passaram pelo programa de ensino na Caseip e seguiram novos rumos após a saída da unidade. O aprendizado adquirido, muitas vezes, torna-se a porta de entrada para novas oportunidades no mercado de trabalho e na continuidade dos estudos.
A professora Nelma Abdias, que atua há quatro anos na unidade, relata a importância do ensino na transformação desses jovens. Nelma afirmou que sua experiência no ensino socioeducativo transformou sua visão e prática pedagógica, tornando-a mais sensível às necessidades dos adolescentes.
“Não é uma escola convencional. O maior desafio é tornar o conteúdo significativo para que eles reflitam sobre suas vidas e vejam o estudo como um caminho de mudança. Em dez anos de magistério, minha visão de educação mudou completamente ao trabalhar aqui. Mais do que ensinar conteúdos, buscamos formar cidadãos”, diz.
Para além do aprendizado em sala de aula, o projeto educacional da Caseip busca promover a autonomia e a dignidade dos adolescentes. “Muitos internos que saem da unidade ingressam no programa Jovem Aprendiz, conseguindo sua primeira oportunidade de trabalho. O estudo, aliado à capacitação profissional, dá a eles uma nova chance de recomeço”, finaliza Daniel Rodrigues.